“O modelo de dispensa semestral chegou no momento certo. Agora posso passar mais tempo na minha machamba e já não preciso de estar sempre a explicar por que vou tantas vezes ao hospital.”
— Arlindo Nalili, paciente na unidade sanitária 17 de Setembro
— Arlindo Nalili, patient at 17 de Setembro Health Facility
No coração da província da Zambézia, muitas famílias enfrentam diariamente o desafio de viver com o HIV enquanto procuram sustentar os seus meios de vida em contextos de escassez de recursos. Até finais de 2024, os pacientes clinicamente estáveis precisavam de retornar às unidades sanitárias a cada um a três meses para levantar a medicação antirretroviral (TARV) um ciclo que implicava longas deslocações, perda de rendimento e o peso silencioso do estigma nas comunidades mais unidas.
Na altura, apenas sete unidades sanitárias na província tinham iniciado a implementação do modelo de Dispensa Semestral de Medicamentos, que reduz as visitas clínicas de rotina de até doze vezes por ano para apenas duas. Esta mudança simples, mas transformadora, proporcionou a pacientes como Manuel Albano a liberdade de se focar nas suas famílias, nas machambas e no futuro em vez de passarem boa parte do tempo à espera por serviços nas unidades de saúde lotadas. No entanto, escalar este modelo numa província tão extensa e diversa como a Zambézia exigiu o envolvimento coordenado de gestores a nível nacional, provincial e distrital, técnicos de farmácia, digitadores de dados, enfermeiros e ativistas comunitários.
Reconhecendo o seu potencial, o Ministério da Saúde aprovou, em outubro de 2024, uma estratégia coordenada de expansão. Liderada pela Direção Provincial de Saúde da Zambézia (DPSZ), com apoio da C-Saúde, as equipas distritais de saúde e os mentores da C-Saúde organizaram oficinas intensivas sobre as diretrizes da Dispensa Sementral, com exercícios práticos para a actualização de cartões mestres e uso da base de dados de seguimento de pacientes para identificar os utentes elegíveis. Sessões virtuais semanais e visitas mensais presenciais de supervisão permitiram resolver desafios e fortalecer a implementação, enquanto os gestores de dados apoiavam as unidades na geração automática de relatórios sobre taxas de adesão e níveis de stock, permitindo ajustes rápidos sempre que surgiam constrangimentos.
O envolvimento comunitário foi igualmente essencial. Na Unidade Sanitária 17 de Setembro, em Quelimane, um grupo multissetorial composto por ativistas locais, líderes tradicionais e pessoal clínico organizou palestras interativas, nas quais os pacientes puderam colocar questões, partilhar preocupações e ouvir testemunhos de outros pacientes que já aderiram ao modelo. Cartazes e programas de rádio em línguas locais e em português reforçaram que os reforços semestrais não significam redução na qualidade do cuidado, mas sim reconhecimento da estabilidade clínica dos pacientes oferecendo-lhes mais autonomia e dignidade. Na Unidade Sanitária de Mocubela Sede, os comités de saúde comunitária incentivaram os pacientes a “trazerem um amigo” nos dias de inscrição, criando pares entre recém-chegados e utentes que já vivenciavam os benefícios dos intervalos prolongados.
Entre outubro de 2024 e junho de 2025, estes esforços começaram a dar frutos. O número de unidades sanitárias envolvidas aumentou de 7 para 37, cobrindo a maioria dos distritos da província. A cobertura do modelo 6MMD entre pacientes elegíveis quase duplicou de 9% na linha de base para 20% no final do período de referência com mais de 79.000 pacientes inscritos no modelo. Na Unidade 17 de Setembro, mais de 72% dos pacientes elegíveis aderiram ao modelo, com as equipas a ajustarem os fluxos de trabalho para dias específicos de levantamento de TARV e os digitadores de dados a garantirem um registo rigoroso dos inscritos. Mesmo em Mocubela Sede, onde os desafios estruturais eram mais acentuados, 70% dos pacientes estáveis já beneficiam da dispensação semestral.
O impacto foi além dos números. Enfermeiros relataram melhorias no fluxo de atendimento, com menos levantamentos diários de TARV, o que lhes permitiu dedicar mais tempo ao aconselhamento de pacientes recém-inscritos ou com casos mais complexos. Técnicos de farmácia, antes sobrecarregados, passaram a ter mais tempo para reconciliar inventários e prestar apoio à adesão. Pacientes partilharam que passaram a sentir-se menos como "visitantes da clínica" e mais como parceiros ativos nos seus cuidados, podendo agora cultivar as suas machambas, vender nos mercados e participar em eventos comunitários sem o dilema das constantes visitas ao hospital.
Olhando para o futuro, as autoridades provinciais de saúde e a C-Saúde, com apoio do CDC/PEPFAR, estão comprometidas em expandir o acesso à dispensação semestral em todas as unidades sanitárias apoiadas que reúnam os critérios estruturais e de pessoal até dezembro de 2025. Os planos incluem o reforço das equipas móveis de supervisão e apoio técnico para chegar aos locais mais remotos, a integração de painéis de desempenho em tempo real a nível distrital, e o aprofundamento das parcerias com redes comunitárias para manter a procura e responder às novas preocupações dos pacientes.
Para pacientes como Manuel Albano, que agora pode cuidar da sua produção agrícola sem as viagens mensais à clínica, o 6MMD é mais do que um programa é uma porta para a normalidade, produtividade e esperança. À medida que Moçambique avança no controlo da epidemia, abordagens diferenciadas de prestação de cuidados como esta representam um modelo equilibrado entre rigor clínico e dignidade humana, transformando a forma como os cuidados de HIV são prestados tanto em zonas rurais como em centros urbanos.
